domingo, 20 de janeiro de 2008

Libélulas...

Como moro perto de onde trabalho, costumo vir a pé pra cá. Saio de casa em direção ao leste, atravesso meu bairro em rota perpendicular às ruas principais (que são duas, uma paralela a outra) e subo um pequeno morro que me leva à estrada de acesso da cidade (acesso via Alegrete-POA). Caminho por uma rotatoria (como dizem los hermanos – um trevo) e chego à parte contínua da estrada. Bem ali, um pouco antes do pontilhão sobre a via de acesso ao Porto Seco Rodoviário (PSR), começam os eucaliptos. Esses se estendem por pouco menos de 200m. Eles ficam a margem da rodovia, onde o terreno tem uma leve sublevação (uns 2m). Eles terminam, mas a sublevação continua até o fim do pontilhão, bem onde começa o contorno que leva justamente para baixo desse. Dali para diante é só estrada até onde eu atravesso o canteiro e rumo para o norte até chegar a meu local de trabalho.

Mas retomemos o momento onde eu começo a passar pelos eucaliptos. Ali, hoje, tinha uma quantidade muito grande de libélulas. Como chovera ontem (e muito), hoje era certo que as teríamos. E foi bem ali. Olhei para elas e não entendia como se demoravam tanto em um voa estático como aquele: paradas em pleno ar. Observei e vi que suas asas (as de todas) vibravam a intentarem o sul. Ainda assim não se moviam. Após passar por todo o trecho dos eucaliptos, avistei mais algumas (tanto longe quanto perto) e essas também se mantinham no mesmo tipo de planagem. Foi quando entendi que uma leve brisa soprava do sul para o norte, tão leve qu’eu não sentira, mas era demasiado forte para as frágeis libélulas.

Frágeis, mas não muito. A força delas não estava em seu corpo ou em serem um grupo: estava na força de vontade. Claro que as libélulas, em não sendo animais racionais, não possuem vontade. Refiro-me diretamente à analogia que uso aqui. A vontade e o “por mais que se demore, que não se desista”. Pensei quando é que elas morreriam (eu sabia que muito breve) e me repreendi por isso. Como fui estúpido em pensar que a libélula morreria. Mas foi breve essa idéia e vi que aquele pensar no deixar-de-ser da libélula fora somente para que eu não visse o persistir da natureza. Quase sobre o pontilhão enxerguei algumas que estavam mais próximas da parte baixa do acostamento. Lá não havia a brisa e elas progrediam facilmente.

Já sobre o pontilhão visualizei uma ave branca (da qual desconheço o nome) que fazia um longo contorno e voltava a sobrevoar o mesmo local. Certamente estava se alimentando. Algumas das libélulas estavam perecendo. “Felizmente, não todas”, pensei.

Como a trilha sonora me fazia meditar (Nara - Es Posthumus, que procuro escutar no mp3 quando passo por esse trecho do início do meu dia e reflito sobre minha vida olhando a vida da natureza), imaginei o momento atual da minha existência: renúncias por algo que consigo ver. No início dos acontecimentos, eram fatos tristes (apesar d’eu não chorar e meu rosto sempre estar em sorriso), mas agora não eram mais. Agora são fatos apenas difíceis e que já se encontram na absoluta certeza (duvidosa) de me entregarem uma vida viva. Não que a vida que tenho agora seja não-viva, mas ela começou a morrer já há um ano. Em períodos de alguns anos acontecem ciclos, e ciclos tem seu ponto baixo e seu ponto alto e seu ponto baixo novamente. Aqui se inicia um novo ciclo, herdando-se o que de bom se obteve do clico precedente. Agora estamos em um ponto baixo rumando para o ciclo novo que tem sua origem mesclada com o final do ciclo que deixo. Pela primeira vez isso acontece em uma virada de ano para mim. E, pela segunda vez, vejo o que de bom ficará ao final do ciclo.

Ao lado esquerdo (porque as libélulas e o pássaro estavam à direita), tínhamos a costumeira fila de caminhões sobre a parte da via que, saída de baixo do pontilhão, ia ao sentido oeste-leste até fazer curva para o norte e atingir os portões do PSR. Aquela fila sempre me faz olhar a parte do homem na natureza. Comparei cada um daqueles motoristas às libélulas; organizei mentalmente a ordem social onde vibramos nossas asas em um vôo estático. Foi quando entendi que os vôos nunca são estáticos: se vencemos distâncias com nosso vôo, somos vencedores; se vibramos e vibramos, mas não atingimos outro lugar, vencemos a nós mesmo, nossos medos, nossos receios, nosso não-saber do que é feito o amanhã.

Veja os homens todos que estão com suas histórias (sejam belas, sejam estranhas) a sua volta; eles têm o que tinham quando eram jovens? Eles têm o que teriam se não fossem o que são agora?

Sou como todo o restante da obra natural: alguém em vôos estáticos ou vôos rasos ou vôos perigosos ou... ou...

Voar?

2 comentários:

Anônimo disse...

Isso me lembra algo...


http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Insustent%C3%A1vel_Leveza_do_Ser



Se puder, leia a sinopse.

Beijocas.

Anônimo disse...

Bãããii...
Saiu pela metade.


Junta tudo:
http://pt.wikipedia.org/
wiki/A_Insustent%C3%A1vel_Leveza_do_Ser